Ontem assisti a um colóquio na Colectividade SFAL, no Lavradio, com o título "Trabalhar na CUF, viver no Barreiro: o encontro da Memória".
O ginásio estava completamente cheio e Isabel do Carmo, Francisco Fanhais, uma socióloga e uma residente do bairro operário levaram ao público a emoção da memória contada ou vivida.
Como parede de fundo, os painéis da exposição "100 anos de lutas - O outro lado da CUF", davam outra profundidade à plateia, através da "presença" e dos "olhares" de dezenas de trabalhadores da CUF, pequena amostra das centenas que foram presos pela Pide.
A assistência superou os oradores, com pequenas histórias pessoais ou familiares, que por momentos nos transportaram para a fábrica escura, para a selecção diária dos trabalhadores não especializados nos portões da CUF, para o controle e castigos pelos capatazes, para os apalpões a que as operárias se sujeitavam na revista de saída da fábrica, para os "vagões-fantasma" dos operários presos, para o ressoar dos cascos das bestas da GNR, para o som estridente da sirene, para o pó venenoso que lhes comia os pulmões e para a terra transformada em aquartelamento repressivo.
Sentimos, também, a visita esporádica do industrial Alfredo da Silva ao seu reino, vindo da grande cidade, carismaticamente acompanhado da sua bengala, da sua secretária francesa e do seu caniche de estimação. Alguém evocou o seu paternalismo, feito de acções e de gestos, fazendo os "seus" operários sentirem-se estimados, talvez mesmo ao nível do caniche. E o paternalismo, que ainda deixou marcas nos ex-operários, fazia engordar a sua conta bancária, afinal o seu primeiro objectivo.
Mas aquela sala ouviu também falar da coragem de um padre - Francisco Fanhais - que aprendia as lições dos operários clandestinamente organizados e as retransmitia aos jovens da sua diocese, retocadas pelo âmago da sua consciência, pela sua vivência com Zeca Afonso e pelo sabor da denúncia da injustiça social que entrava na casa de cada família, servindo-se do pão, da mulher e do futuro dos filhos.
E aqueles jovens, feitos avós, cantaram deliciosamente, em surdina, as estrofes da "Cantata da paz".
Nada pode apagar
O concerto dos gritos
O nosso tempo é
Pecado organizado,
O concerto dos gritos
O nosso tempo é
Pecado organizado,
como se o peso das recordações ainda trouxesse a sombra dos bufos da Pide. Como se, nestes tempos, ainda pairasse o medo, ainda pairasse a angústia do futuro, ainda pairasse o estigma da exploração.
Duas gerações mais tarde!
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