03/04/08

Os Portugueses e o CHE



Este blog não tem intuitos moralistas e o seu autor não tem baias sociais ou políticas, que o limitem na expressão do seu pensamento, para além do que é ditado pelo que ele próprio considera o senso comum.

Identificando-se com os chamados princípios de esquerda, rejeita, contudo, quaisquer dogmas intocáveis e posiciona-se numa permanente tentação de desmascarar os sofismas políticos e sociais desta feira global.

É assim que parto para criticar uma incoerente reflexão de uma das figuras da História próxima, pela qual nutro uma enorme admiração - Ernesto Guevara, que amigos e inimigos consagraram como CHE.

Situemo-nos nos bairros miseráveis de Caracas, no ano de 1952 e deixemos falar o jovem Ernesto, através do seu diário:
«Aproximo-me de uma barraca, a mãe de cabelos crespos e seios caídos, cozinha, ajudada por uma negrinha de 15 anos. Peço-lhes que posem para uma fotografia, mas recusam categoricamente, dizendo não deixar que lhes roubem a alma...».
Ernesto insiste - nova recusa -, sem dúvida demasiado seguro da sua boa consciência para se dar conta de que é visto como um estranho, um branco, membro da mesma corja dos malditos portugueses, emigrantes pobres que foram lá parar, que escorraçam os negros cada vez para mais longe.
O fotógrafo vira então a máquina para um garoto de bicicleta que se assusta perante a objectiva e cai, desatando num berreiro. Catástrofe.
«Todos saem a correr para me insultar...». Chamam-lhe, suprema injúria, PORTUGUÊS!

O nosso frustrado fotógrafo, dispara do alto do entusiasmo da sua juventude, numa base bastante incoerente e lamentável:
«Os negros, esses magníficos exemplares da raça africana. que conservaram a sua pureza graça à sua aversão pelo banho, viram o seu território invadido por um novo tipo de escravos - os PORTUGUESES...»

Imaginemos o caminho percorrido, por este fotógrafo de ocasião, quando, dez anos depois, o mesmo Che, transfigurado, pretenderá editar em Cuba, Frantz Fanon, apóstolo radical da negritude revolucionária, antes de ir, ele próprio, combater pelos direitos da África negra!

Podíamos preencher este blog com páginas de exemplos de emigrantes portugueses, que deixaram na Venezuela um significativo e sacrificado contributo, para o engrandecimento daquela nação. Nem a sofreguidão ambiciosa de uma minoria, poderá ensombrar esta realidade. A de que, embora desenvolvendo um trabalho de "livre escravatura", os portugueses não seriam merecedores do desprezo dos outros excluídos de Caracas, nem apontados como a origem da degradação social dos negros. O jovem Ernesto já poderia deduzir que o mal de uns escravos não estava nos outros escravos...


Citemos alguns pequenos exemplos, recolhidos do "Correio da Venezuela", na sua edição do último dia de 1969:

Com os seus 90 anos, a vida de Luísa Rodrigues Pestana Pereira é uma história cheia de tristezas, alegrias e de maravilhosos momentos que a tornaram uma mulher inteiramente feliz.
"A rainha da Holanda queria os portugueses porque eram bons braços para o trabalho", afirma Luísa Rodrigues.

Maria Lídia Camacho Fernandes Camões, 96 anos.

...Tirava férias a cada três ou quatro anos

Fez uma sociedade para criar e vender frangos, situada em Tinaquillo. Isto durou apenas três anos, porque um dia as aves amanheceram todas mortas devido a uma epidemia, o que não lhe deixou outra alternativa senão regressar à Madeira.


Manuel Augusto Pinto Júnior, foi um emigrante que, como muitos outros

Ele fez de tudo. Começou como ajudante numa mercearia, foi condutor de autocarro, motorista de transporte e carnes, carniceiro, entre outras profissões


Maria Salete Pereira Sardinha

Começava a trabalhar às 5 a.m. e terminava às 11 p.m. ganhava muito pouco mas era a minha ajuda para a casa, para juntar ao que o meu esposo trazia do seu trabalho. Tive o cuidado para me dar bem com todos os proprietários, nunca reclamando com ninguém por sujar o que estava limpo. Preferia limpar


Meu caro jovem Ernesto
Os Portugueses também engrossaram a longa coluna de trabalhadores oprimidos, pelos quais vieste a dar generosamente a vida.
Contudo, a minha admiração por ti continua intacta, até porque, tenho a certeza, também subscreverias a crítica aqui desenvolvida...
Os bairros miseráveis de Caracas continuam testemunhas da necessidade de mudar o mundo.
Tão só!

2 comentários:

Anónimo disse...

Que boa análise e critica......Mas de facto, tambem aquele que foi considerado por J. P. Sartre como o homem mais completo do sec.XX, tem direito a fazer afirmacoes injustas e erradas na sua juventude de rebeldia.

RR disse...

Se o homem mais completo do sec XX não revelasse alguns erros e contradições no seu diário (que não imaginaria que ia ser lido/comentado por milhões)durante a sua juventude, então necessariamente que estariamos confrontados com uma biografia censurada e "purificada".
Que existe!

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